Uma carta!...
Não, não quero resposta, nem sequer quero dirigir esta carta a ninguém em especial, mas antes a essa magnífica massa associativa que é a do Vitoria.Não sei se já alguém lhe escreveu sem ser para pedir dinheiro, o voto ou a presença em assembleias-gerais.Desconfio que não. A experiência diz-me que sempre que recebo uma pomposa carta, seja do Vitoria, seja de qualquer instituição humanitária ou de solidariedade social, ou mesmo partido político, invariavelmente, se não é um daqueles assuntos, é porque algum Santo está para cair do altar.Contudo, nunca ninguém perguntou a cada um de nós o que pensávamos, o que sentíamos, o que gostávamos de ver alterado e, muito menos, quais os objectivos que nos propúnhamos apoiar.À boa maneira latina, o coração fala mais alto. Duas ou três frases de grande fervor clubístico são invariavelmente suficientes para "encantar" e reunir a rebate. Infelizmente, acabado o período eleitoral, a assembleia, a angariação de fundos, tudo, mas tudo volta rigorosamente ao princípio.Ou seja, tudo volta à normal dependência dos resultados desportivos, aqui e acolá salpicados por um pouco mais de sal proveniente de um ou outro amuo, desistência, ou puro e simples desertar por desencanto.Se hoje fizesse um resumo de tudo quanto ouvi e aqui li aos meus conterrâneos vimaranenses e ou vitorianos, chegaria a uma triste conclusão: Guimarães está doente e a precisar de se curar rapidamente.Está Guimarães doente e estão todas as instituições, empresas e pessoas… por arrastamento.E esta é uma doença que não se compadece com resultados desportivos, boas vontades, este ou aquele remendo.Os relatos que nos chegam são impressionantes e muito mais dolorosos que qualquer "tsunami" porque nos toca, porque tem a ver com a nossa terra, com as nossas gentes.Para quem está fora de Guimarães e lá viveu tempos de grande glória e fartura, ouvir dizer que o sector têxtil está em crise, que a indústria em geral está mais pobre, é quase que uma música de fundo que nos acompanha baixinho e que apesar de a captarmos não lhe damos a devida atenção. Porém, hoje, a música toca mais alto e faz-se sentir em todos os alicerces que sustentam a nossa região e as suas gentes.Resta-nos esse orgulho enorme em sermos vimaranenses e vitorianos e uma força enorme em readquirir a auto-estima que em tantos momentos chave nos tem faltado.Perguntar-me-ão a razão de ser de aqui estar a mexer nisto tudo, quando é do conhecimento de todos. Diria que é por essa razão mesmo!Qual de nós recebeu uma carta a pedir-nos sugestões, a solicitar que qualquer um de nós reflicta sobre esta situação?! Ninguém… Contudo, estes problemas, são o tema de conversa no café, no restaurante, no barbeiro, aqui na net… como se de um gigantesco fórum se tratasse.Só que, qualquer fórum, necessita de ser coordenado, de ser ouvido, compreendido e dele retirado as suas conclusões.Guimarães, a sua região, está carecida de horizontes, de objectivos, como o estão as suas instituições, as suas empresas, as suas gentes!...Ontem à noite quando participava num colóquio sobre cultura, dava o exemplo de Guimarães como uma terra aonde, ao contrário de Coimbra, se reflectia sobre a cultura. Esqueci-me é que já saí há quarenta anos de Guimarães e raros são os dias em que tomo contacto com a sua realidade.Afinal, tal como Coimbra, a nossa terra precisa de se alargar, de se projectar, de encontrar um rumo.Sei que não é inédito, sei até que poderá nem ser prioritária tal reflexão, já que as soluções imediatistas são sempre as preferidas. Mas também sei que estagnaremos, que empobreceremos se não reflectirmos rapidamente sobre assuntos tão importantes como Guimarães e a sua região, sobre o seu tecido empresarial, sobre a sua Universidade, sobre as suas instituições culturais, de solidariedade social e desportivas e sobre as suas gentes.Guimarães precisa urgentemente de um congresso, aonde se discuta e reflicta não apenas sobre o umbigo, em famigerados discursos mais ou menos intelectuais, mas sobre as pessoas e a sua região. Sobre as suas necessidades, sobre os caminhos a traçar, sobre a complementaridade dos seus recursos. Guimarães não é apenas a terra aonde nasceu Portugal! Guimarães é indústria, comércio, turismo, cultura, desporto, tradição e acima de tudo as pessoas.Guimarães é a terra para onde os meus filhos querem fazer as suas vidas e fazer-me voltar. Guimarães é a terra para onde quero levar de volta os restos mortais de meu pai. Guimarães é por certo a terra para onde querem regressar todos aqueles que tiveram que procurar nas suas vidas outras paragens.Guimarães é a terra de onde os jovens de hoje não querem sair, aonde querem ficar!E afinal que temos para lhes dar? Uma terra sem rumo?! Um Vitoria titubeante, igual a tantos outros clubes que para aí há?! Instituições bolorentas que teimam em viver de um passado glorioso?!Essa não é a minha terra. Guimarães é a primeira capital de Portugal, mas é também o futuro que, se quisermos, pode ser construído à medida dos interesses e à volta das pessoas.Por um destino próspero para Guimarães, faça-se esse Congresso movido pelas forças autenticamente vivas, pelas pessoas de todas as condições. Discuta-se tudo, o futebol também, porque não?! Coloque-se é Guimarães na senda do desenvolvimento e não do das terras "Museu", das terras estáticas e consumidas pelo tempo.O Vitoria, meus amigos, depende e padece também do mesmo mal. Li atentamente o que aqui se disse, ouvi com enorme atenção o que me transmitiram e não vejo que haja outra solução que não seja o de elevar Guimarães à sua condição de "capital", mas… da modernidade, da inovação, do desenvolvimento.Para que o seu tecido empresarial seja forte, a sua cultura dinâmica e o Vitoria uma colectividade que, tal como todas as outras colectividades da cidade e da região, independentemente dos seus objectivos, reflicta esse desenvolvimento.Não queremos é ninguém que pense por cada um de nós, queremos, isso sim, é uma estratégia clara que passe pela opinião de todos e que influencie de uma vez por todas o modo de agir da nossa terra.E se cada um de nós conseguir levar a sua opinião a cada um dos dirigentes, dos vários sectores, públicos ou privados, culturais, desportivos ou sociais, então seguramente que teremos enfim consolidado esse plano e essa estratégia.Porque, afinal, tudo isto, somos nós!
Sousa Martins,Coimbra, 17 de Fevereiro de 2005.